sábado, 7 de março de 2015

Porque virou moda a imprensa usar a palavra esquizofrenia para tudo

A imprensa é mestre na arte do uso metafórico da palavra esquizofrenia. Os portadores dessa doença apresentam períodos em que têm dificuldade para distinguir o real do imaginado. Podem ocorrer mudanças na forma de pensar e sentir, com prejuízo das relações afetivas e do desempenho profissional e social.

Esquizofrenia é isso, mas na linguagem corrente passou a designar todas as mazelas da política, da economia e as esquisitices da cultura pop. Faltou palavra? Tascamos um esquizofrênico e todo mundo entende o que queremos dizer.

Uma amostra dessa prática foi reunida num interessante estudo sobre o estigma da esquizofrenia na mídia, assinado por Francisco Bevilacqua Guarniero, Ruth Helena Bellinghini e Wagner Gattaz.

O uso metafórico da palavra “esquizofrenia” e, principalmente, “esquizofrênico (a)”, nos sentidos de “absurdo”, “incoerente” e “contraditório” é recorrente.

Nas colunas de política, são esquizofrênicos: o governo, o Judiciário, as relações Brasil-Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Comunidade Europeia.

Nas colunas de economia, esquizofrênicas são a política cambial e a política econômica.

Nas editorias de artes e espetáculos, quase tudo é classificado como esquizofrênico(a):

• O Festival de Cinema de Gramado
• O show da cantora Cyndi Lauper (que passa de “clássicos a platitudes pop”)
• O ritmo do musical Evita
• Batman
• O ator (que se despe de si mesmo para vestir um personagem, segundo a atriz Bruna Lombardi)
• A infelicidade de hoje (segundo o cineasta e colunista Arnaldo Jabor)
• Rose, a vizinha do personagem Charlie Harper na série Two and a Half Man
• A cantora Madonna (que na adolescência não se decidia entre ser freira e popstar, segundo ela mesma)
• O jornal The New York Times (por cobrar pelo acesso online, mas distribuir conteúdo gratuitamente nas redes sociais)

Seria divertido se não fosse trágico. A assistência à saúde mental no Brasil vive uma crise profunda. Há uma luta ideológica entre os psiquiatras e parte dos psicólogos. As famílias estão desesperadas. Falta acesso a medicamentos, ambulatórios e leitos psiquiátricos para internar os pacientes nos momentos de crise. Apenas 2% dos gastos do SUS são destinados à saúde mental.

Mudar isso tudo depende de mobilização, dinheiro e disposição para a luta política. Combater o estigma não custa nada e depende da vontade individual. Um bom começo é pensar nas palavras que escolhemos e repetimos. Elas têm peso e consequência.

Blog do Tear

Nenhum comentário:

Postar um comentário