quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Entrevistando Victória Junqueira


No dia de hoje retornou para o Blog do Tear uma de nossas participantes, Victória, que fez uma viagem para Barcelona e Girona para a realização do estágio eletivo referente ao Programa de Residência de Saúde Mental e Coletiva da Unicamp.


Como são os serviços de saúde mental na Espanha?

O sistema de saúde mental nestes lugares é diferente do que conhecemos. Visitei dois lugares diferentes na Espanha:

Barcelona - Em Barcelona, por exemplo, existem algumas diretrizes que regem a rede de saúde mental, porém existem mais de 60 organizações de saúde que gerenciam serviços diferentes.
Lá conhecemos uma ONG que gerencia serviços destinados ao cuidado de pessoas usuárias de álcool e outras drogas. Visitamos um CAS (centro de atenção e seguimento), neste serviço existem duas salas de uso  de substâncias supervisionadas, ou seja, os usuários podem fazer uso nestas salas  e serem acompanhados por uma equipe de saúde neste momento.
Tem pessoas que acham que essa proposta incentiva o uso, mas avaliei que não, já que as pessoas se aproximam de outros serviços de saúde a partir destes atendimentos. Achei estes equipamentos muito interessantes, trata-se de partir da lógica da redução de danos para construir novas ações no território.
Por outro lado, estas ONGs são muito diferentes entre si, o que faz com que a rede de saúde fique mais fragmentada.


Girona - Em Girona fomos recebidas por uma organização chamada IAS (instituto de assistência sanitária) responsável por gerenciar todos os serviços da rede de saúde mental. Segundo algumas pesquisas Girona é a região da Espanha que menos interna usuários, sendo considerado referência nos cuidados comunitários em saúde mental. Contudo,  notamos que ainda assim há mais internações que em Campinas. Assim, penso que campinas avançou muitos nos cuidados comunitários em saúde mental.

Os serviços de usuários de drogas e pessoas com transtornos mentais são diferentes e muitas vezes ficam distantes um do outro, o que pode dificultar o cuidado.
Existem Centros de Saúde Mental, que são parecidos com os CAPS. Fazem atendimentos individuais e em grupos. Tem Centros de Reabilitação, onde fazem grupos/atividades externas e em centros Cívicos, que são parecidos com os CIC' s, e podem ser utilizados por todas as pessoas do bairro.


Os serviços são abertos para a população?

Em Barcelona e Girona é necessário um encaminhamento de algum médico da saúde mental para se inserir tanto no Centro de Saúde Mental quanto nos centros de Reabiliação, o que é diferente de como acontece no Brasil, em que não necessariamente precisa de um encaminhamento para acessar o CAPS ou o CECCO.

Como foi trabalhar em um país desenvolvido, como a Espanha, em comparação com um país em desenvolvimento, como o Brasil?

Observei muitas diferenças na situação sócio econômicas nestes lugares em comparação ao Brasil. 
O suporte da seguridade social na Espanha é muito mais eficaz que no Brasil. Por exemplo, o usuário quando passa por perícia médica para a avaliação de benefício, não demora a receber.
Em Girona a renda per capita é muito alta, portanto, é uma região com muito recursos econômicos. Por exemplo, fui em Visita Domiciliar na qual os profissionais da saúde diziam ser uma região pobre, mas que tinham condições econômicas muito melhores doo que vemos em Campinas.
Me impressionou a quantidade de pessoas em tratamento que conseguem independência financeira, o que também se dá em decorrência da existência das empresas sociais. Trabalho forte na inserção de pessoas em tratamento nos trabalhos formais.


Como você lidou com a diferença de língua?

Eu falo espanhol. Mas em Girona, onde falam prioritariamente o Catalão, foi um pouco mais complicado, mas me virei bem com o espanhol.


Há serviços que auxiliam na luta contra o preconceito?

No Centro de Reabilitação conheci um grupo muito interessante que faz um trabalho nas escolas, onde conversam com os alunos sobre saúde mental com a ideia de debater sobre o estigma.
Há também o Centro Cívico, como o CIC no Brasil, que é um centro comunitário, que funciona com profissionais da administração e com uma equipe como nos CECCOS. O que é legal é que os usuários ocupam muito mais os espaços. Possuem mais recursos financeiros. Por exemplo, participei de um grupo de Culinária   onde os participantes do grupo contribuem com 3 euros e o resto das compras são feitas pela equipe. Este dia cozinhamos salada e macarrão carbonara!

O que você não gostou nos serviços de saúde mental na Espanha?

Teve uma coisa na Espanha que não gostei. Nos Centros de Saúde Mental não há a possibilidade de ficar em leito quando há necessidade de tratamento intensivo. O único recurso é a internação hospitalar. Ainda que digam que é por curto prazo, há mais internações que em Campinas. O sistema é mais hospitalocêntrico. Quando uma pessoa não está bem, e tenta o suicídio, por exemplo, o usuário é internado, e muitas vezes, a internação acaba sendo de longo prazo. Conheci pessoas que já estavam internadas há 3 meses. O que é diferente no Brasil, que conta com os CAPS III para o tratamento intensivo de usuários da saúde mental no território.

Como é a avaliação da qualidade dos serviços de saúde mental na Espanha? Os usuários tem espaço para darem suas opiniões?

Achei que a Espanha tem menos espaços para o controle social dos usuários que em Campinas. Onde mais vi a participação dos usuários foi nos centros de reabilitação em Girona.

Lá também existem comunidades terapêuticas, onde moram pessoas usuárias de drogas, mas que diferente do Brasil, não tem um viés religioso. Não tive tempo de visitar essas comunidades, que são mais afastadas do centro. Existem também apartamentos que os usuários dividem que funcionam de forma semelhante as nossas residências terapêuticas no Brasil.

O que você mais gostou na sua experiência na Espanha?

Eu gostei muito de Barcelona. Gostei muito do clima, das pessoas, da arquitetura, que é linda. Me senti muito acolhida na cidade. Quero voltar!!!




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